sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

As Eleições Presidenciais - O Carnaval Negro


Desenho de Rogério Ribeiro


Os portugueses  são uns gastadores e, segundo as estatísticas, produzem pouco. Gastam até ao cerne da própria alma nos festins da efémera abundância. Fundos europeus a diluirem-se na areia sôfrega das nossas praias. Há, claro, os que ficam sempre de fora ou os que se aconchegam com as migalhas. Que remédio!
O reino está falido, nada de novo no tempo histórico cíclico desta terra. Destino ou vocação colectiva? Tanto faz. De lamentações estamos ditos. É um modo colectivo de estar, a não ser nos raros surtos de raiva e revolta. 
Esta campanha presidencial liberta um aroma próprio de um reino à beira-fim. Monólogos apenas com efeitos mediáticos. Sinais óbvios de uma democracia pobre, porque amputada de uma verdadeira cultura da cidadania. Um Carnaval Negro, diria o Raul Brandão se fosse vivo.
Mas há um tempo para lamentar ou enraivar, outro para votar. São estas as regras democráticas. Cumpre-as quem quiser, valha-nos isso. Se valer a pena (o esforço), votarei talvez no artesão das palavras - apesar do equívoco apoio socrático (que o filósofo nos perdoe!) -, pela vizinhança dos gestos criativos. Com ele comungo a sua antiga interrogação poética: "Conspiradores do impossível onde estais?". Repito: onde estais?
O outro é um sofrível tecnocrata dos números, enredado em teias por vezes obscuras. Não um matemático, pois a este caberia o rigor capaz de criar universos alternativos. Vem do povo, segundo diz, mas o povo é na sua retórica mediática um mero artefacto propagandístico. Terá certamente muitos votos no mundo urbano e também no mundo rural, curiosamente para cujo declínio e morte anunciada muito contribuiu, na companhia dos seus pares da elite política que há trinta e tal anos nos governam.
Neste reino de betão rodoviário (talvez num futuro percorrido por veículos fantasmas), corrupção e compadrios, há um vazio de ideias e valores. Enfim, a imagem triste de um país sem rumo, numa Europa subjugada à hegemonia alemã.
 Depois o capitalismo financeiro aí está em força para pagarmos com altos juros os excessos do festim das nossas ilusões europeístas. Foi um fartar breve e talvez já nem alma tenhamos para vender ao diabo. Restar-nos-á o corpo colectivo condenado de novo ao exílio?

  "Nevoeiro"  
                   
Pintura de Rogério Ribeiro
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!
                           Fernando Pessoa


Sem comentários:

Enviar um comentário