Os portugueses são uns gastadores e, segundo as estatísticas, produzem pouco. Gastam até ao cerne da própria alma nos festins da efémera abundância. Fundos europeus a diluirem-se na areia sôfrega das nossas praias. Há, claro, os que ficam sempre de fora ou os que se aconchegam com as migalhas. Que remédio!
O reino está falido, nada de novo no tempo histórico cíclico desta terra. Destino ou vocação colectiva? Tanto faz. De lamentações estamos ditos. É um modo colectivo de estar, a não ser nos raros surtos de raiva e revolta.
Esta campanha presidencial liberta um aroma próprio de um reino à beira-fim. Monólogos apenas com efeitos mediáticos. Sinais óbvios de uma democracia pobre, porque amputada de uma verdadeira cultura da cidadania. Um Carnaval Negro, diria o Raul Brandão se fosse vivo.
Mas há um tempo para lamentar ou enraivar, outro para votar. São estas as regras democráticas. Cumpre-as quem quiser, valha-nos isso. Se valer a pena (o esforço), votarei talvez no artesão das palavras - apesar do equívoco apoio socrático (que o filósofo nos perdoe!) -, pela vizinhança dos gestos criativos. Com ele comungo a sua antiga interrogação poética: "Conspiradores do impossível onde estais?". Repito: onde estais?
O outro é um sofrível tecnocrata dos números, enredado em teias por vezes obscuras. Não um matemático, pois a este caberia o rigor capaz de criar universos alternativos. Vem do povo, segundo diz, mas o povo é na sua retórica mediática um mero artefacto propagandístico. Terá certamente muitos votos no mundo urbano e também no mundo rural, curiosamente para cujo declínio e morte anunciada muito contribuiu, na companhia dos seus pares da elite política que há trinta e tal anos nos governam.
Neste reino de betão rodoviário (talvez num futuro percorrido por veículos fantasmas), corrupção e compadrios, há um vazio de ideias e valores. Enfim, a imagem triste de um país sem rumo, numa Europa subjugada à hegemonia alemã.
Depois o capitalismo financeiro aí está em força para pagarmos com altos juros os excessos do festim das nossas ilusões europeístas. Foi um fartar breve e talvez já nem alma tenhamos para vender ao diabo. Restar-nos-á o corpo colectivo condenado de novo ao exílio?
"Nevoeiro"
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
Fernando Pessoa
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