quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A Poesia, os Valores e a Crise (1)

Como afirmou Nietzsche, "tudo o que tem um preço não tem valor". Ora as palavras dos poetas são sempre uma reserva imaginária de valores. Em épocas de crise, são sinalizadoras das nossas desesperanças e esperanças, num mundo dominado pela economia e o quantitativo. As suas palavras, no seu modo diverso de interpretar as representações colectivas ou o sentido mais íntimo das nossas vidas, ajudam-nos, no plano dos valores, a situarmo-nos no mundo em que vivemos. E lembremos, a propósito, que ler um poema é também um modo de o reescrever na finita infinitude das nossas vidas.


INSCRIÇÃO

Eu vi a luz em um país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.

Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...

Camilo Pessanha (1867-1926)
Clepsidra (1920)


Pintura de Dali - A Persistência da Memória

PERFILADOS DE MEDO

Perfilados de medo, agradecemos
o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.

Aventureiros já sem aventura,
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não fomos, do que não seremos.

Perfilados de medo, sem mais voz,
o coração nos dentes oprimido,
os loucos, os fantasmas somos nós.

Rebanho pelo medo perseguido,
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido...

Alexandre O´Neill (1924-1986)
Poemas com Endereço (1962)

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