segunda-feira, 21 de março de 2011

A Poesia diz o Mundo

Hoje é o Dia da Poesia, da Árvore e também o Dia Internacional contra a Discriminação Racial. As efemérides são o que são e este humilde cronista, obrigado pela natureza das convenções, resolveu celebrar a euforia da Primavera e da Árvore e a sempre pertinente luta contra todas as formas de racismo através das palavras dos nossos poetas. Não podia deixar também de evocar, no Dia da Poesia, Manuel da Fonseca, um poeta a reler urgentemente, no ano do centenário do seu nascimento.

Aldeia

Nove casas,
duas ruas,
ao meio das ruas
um largo,
ao meio do largo
um poço de água fria.

Tudo isto tão parado
e o céu tão baixo
que quando alguém grita para longe
um nome familiar
se assustam pombos bravos
e acordam ecos no descampado.

Manuel da Fonseca (1911-1993)


A uma Árvore
Árvore,
Quando eu morrer hás-de ficar.
Théodore Rousseau
Hás-de ver o passar doutras Estações.
Hás-de ouvir as canções
De uns outros ninhos, noutras Primaveras.
Junto de ti, meu filho há-de sonhar
Minhas antigas, fúlgidas quimeras.

Árvore,
Quando eu morrer, hás-de falar
De mim, que te plantei.
E, em cada ramo novo que brotar,
Serás um gesto meu a perdurar:
- Por ti, não morrerei...

Francisco Bugalho (1905-1949)


Lágrima de preta

Encontrei uma preta
Gauguin
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

António Gedeão (1906-1997)

1 comentário:

  1. Detenho-me nestes últimos versos do António Gedeão, quadras aparentemente singelas a narrar o desfecho racional de uma investigação muito especial.
    Lembro-me, comovido, do meu professor de físico-químicas, Rómulo de Carvalho, lá naquele laboratório modelar do Liceu D. João III, manipulando drogas em tubos de ensaio, para nos demonstrar a decomposição da água nos seus elementos moleculares.
    No primeiro dia de aulas ele apresentou-se: "Rómulo de Carvalho, professor e investigador".

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