sexta-feira, 22 de abril de 2011

A Violência Juvenil: as Claques Futebolísticas

Henri Rousseau - Les joueurs de football (1908) 
Os rituais da violência não têm idade, mas quando se trata daquela que concerne às camadas juvenis torna-se mais preocupante e espectacular, daí a sua visibilidade mediática,  pois é um barómetro possível da situação cívica de uma sociedade.
Entre os casos mais referidos, releva-se o fenómeno das claques futebolísticas que se transformam em anárquicos colectivos em pose guerreira contra os seus inimigos de estimação. Os adversários são a coisa a abater, um compacto de entes em movimento que se atrevem a optar pelo emblema inimigo, e por isso escapam ao estatuto de seres humanos. O futebol hoje é mais negócio do que festa, mais conflitualidade sem tréguas entre dirigentes do que diálogo, o que pode ajudar a explicar parcialmente a cegueira violenta dos jovens adeptos, mas não esgota as questões que o fenómeno sociologicamente levanta. O ódio entre claques estará próximo, no plano simbólico,  daquele que uma guerra civil desperta entre os campos opostos. Não se trata talvez de uma diferença qualitativa, mas quantitativa.
Felizmente o ódio futebolístico é um evento localizado que quando muito pode cruzar-se com os ressentimentos políticos entre o norte e o sul do país. Por outro lado, os “media”, na sua avidez mercantil pela notícia sensacionalista, podem contribuir para o acirrar dos ânimos: imagens em directo de claques em confronto ou com a polícia; comentadores em programas  desportivos com frases de uma agressividade explosiva; selecção e alinhamento da informação em função da espectacularidade da violência em torno do fenómeno futebolístico, etc.
A própria entrada das claques, uma multidão ululante, no estádio adversário, assemelha-se a  uma manada de animais ferozes correndo entre muros e polícias-campinos, em direcção à arena, ou seja, às bancadas que lhes são destinadas. É uma cenografia animalesca que nada dignifica o espectáculo desportivo.
Apesar de o futebol ser um negócio, entre nós estranhamente de clubes falidos ou à beira da falência, continua a ser um espectáculo com uma dimensão estética e festiva – estranhamente os comentadores desportivos gastam 90% do tempo a discutir as arbitragens e o restante a assinalar a beleza de um ataque ou de uma defesa – e com um número apreciável de adeptos mais interessados na festa do jogo do que nas conflitualidades, por isso merecedor de uma pacificação entre adeptos e entre dirigentes. Cabe neste aspecto às autoridades desportivas e políticas pôr cobro a este estado de coisas, punindo exemplarmente as hordas de jovens, para os quais a violência que transportam para o desporto é uma bizarra catarse social, homóloga das pulsões fascistas ao denegar, pela sua natureza totalitária, a alteridade com o seu universo de desejos específicos.
Vieira da Silva - A Guerra (1942)
A violência das claques é, pois, um fenómeno de massas, onde cada indivíduo fortalece a sua hiper-identidade através da negação “terrorista” do outro. São, por isso, suspeitas de manipulação por parte de indivíduos de extrema-direita nelas infiltrados, bastando neste aspecto reflectir sobre a semelhança das configurações de alguns estandartes ou bandeiras de uma determinada claque  com os símbolos nazis. Trata-se obviamente de posturas isoladas que não abarcam a grande maioria dos adeptos das claques, mas convém não esquecer que a cegueira emocional e a vocação para a violência são um terreno fértil para a génese de práticas políticas de pendor irracionalista. Além do mais a crise que atravessamos pode também contribuir para a adopção de práticas políticas totalitárias junto de certas camadas juvenis, mas este aspecto transcende o mero território das claques desportivas. Lembremos a propósito que por essa Europa fora os partidos xenófobos de extrema-direita vêm crescendo eleitoralmente, tal o caso das recentes eleições na Finlândia. O não-reconhecimento do outro como categoria humana, seja na política, seja no desporto, é sempre um prenúncio de terrorismo totalitário. A História da Europa do século XX é uma narrativa trágica e exemplar desse facto. Não esqueçamos, como imagem arquetípica da cena desportiva associada ao fenómeno político, o desalento de Hitler, ao ver o atleta  negro norte-americano Jesse Owens a vencer os seus super-heróis arianos, nas Olimpíadas de Berlim (1936). O contexto actual não é o mesmo, mas convém não perder a memória.  

1 comentário:

  1. A coisa toma cariz dos melhores tempos das guerras entre gentes Galaicas de cor leitosa e moirama curtida além hortas de Tarik.Depois, não lembraria nem a Vespasiano conduzir a populaça para o Circo entre baias, vaias e pedregulhos lançados pelos gladiadores antagónicos. Tem a culpa os Edis clubistas que mercanteiam ódios em cada discurso na casa dos apaniguados seguidores. Vai descambar isto tudo no iluminado aproveitamento de qualquer " camisa negra", que no baú dos idos Santacombadenses desenterre um manual anti-democracia.

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