Com Travo a Mosto |
Nas telas de Célia Alves sobressai simultaneamente um olhar crepuscular e nostálgico sobre o mundo rural tradicional, onde a comunhão dos camponeses com a terra tem uma dimensão sacral. São gestos que participam de uma memória colectiva comunitária, como que a transcender o tempo histórico. Cada figura, sobretudo as femininas, velhas camponesas, frequentemente de rosto oculto, é o paradigma de uma relação maternal com a terra, a evocar as divindades femininas telúricas, como as dos gregos primitivos: Deméter, Geia ou Reia. São os arquétipos da terra-mãe, da natureza com os seus ciclos e da terra cultivada e fecunda a perdurarem no inconsciente colectivo da humanidade.
Bago a Bago |
Os seus quadros não são um mero acto contemplativo e narcísico, mas uma perspectiva que assinala ao mesmo tempo o reconhecimento grato desse outro social, o que pressupõe vivências autobiográficas desse mundo campestre, e um acto de ternura por esses seres cuja vida é sobretudo ritmada pelos ciclos da natureza e os das sementeiras e colheitas. Para lá da comunidade onde se inserem, o seu diálogo silencioso é com a terra, interlocutor incessante das suas vidas até à morte.
O pendor mais simbólico do que realista da sua pintura, sejam os povoadores ou a sua paisagem, confere uma perenidade a estas imagens que faz delas uma liturgia telúrica não totalmente redutível a uma mera mundividência sociológica. Há como que um residual incólume ao trabalho do tempo socio-histórico, por isso são figuras de uma sacralidade telúrica a ritualizar a união gestual do camponês com a terra.
Mas, apesar disso, a sua pintura é também susceptível de uma leitura sociológica, no plano da desertificação do Interior. (cont.)
Arte no Cabelo |
Fico à espera dos próximos capítulos. Belo texto para a não menos bela pintura...
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