segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Paisagem com figuras: notas breves a propósito das presidenciais

Segundo a narrativa hegemónica publicitada pelo poder mediático (jornais e televisões), Marcelo Rebelo de Sousa seria um virtual "super-poder", porque voa acima das telúricas ideologias, contrariamente aos seus principais concorrentes maculados pelo pecado ideológico. Mas estas asas de anjo, moldadas pela ficção da normativa desertificação ideológica, enquanto atributo maior de um Presidente da República, apenas nos conduzirão a um imperativo olhar único sobre o mundo. A suprema das ideologias (ou das ironias) consiste, pois, na encenação retórica  de um vazio ideológico. E nisso Marcelo é, justiça lhe seja feita, um actor de gabarito. 

Nas carnavalescas arruadas presidenciais, como um anjo benigno que descesse à terra, ei-lo farsante maior a conviver com o povo e a partilhar  os rituais humildes do quotidiano. Os céus televisivos obviamente deram e continuam a dar uma ajuda providencial a este talentoso histrião, de tal modo que o hábil comentador, ao longo de décadas, de tricas políticas, emerge, aos olhos do vulgo, como o demiurgo da democracia. E, ali, nas ruas, de corpo pleno palpável, oferto aos lábios e aos braços da multidão, e de sorriso incontido, adquire mesmo uma dimensão messiânica - a apoteose de uma farsa trágica. 



George Tooker (1922-2011), "Paisagem com Figuras", 1965-66


Esta pintura do americano George Tooker (1920-2011), conotado ora com o realismo social, ora com o realismo mágico, é uma metáfora da sociedade totalitária. A imposição/interiorização de uma perspectiva única sobre o mundo conduz a indivíduos enclausurados e diluídos numa homogeneidade massificada. Estão aparentemente juntos,  mas sem comunicação entre eles. A solidão absoluta apaga qualquer hipótese de elo solidário. A distopia está no lugar da utopia: a morte definitiva do desejo. O pesadelo geometrizado no lugar do sonho. A coisificação dos seres é o império da morte sobre a vida. As cabeças de corpos ocultados estão, por isso, condenadas por um poder inominável a olhar e a pensar numa única direcção. É um bom motivo para reflectir sobre a actual situação portuguesa e a do mundo.

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